sábado, 15 de fevereiro de 2014

dizendo sem dizer


(ou: escrevendo sobre a arte de não escrever)

está certo quem diz que paixão é sinônimo de tristeza - sim, literalmente. triste quando o outro não retribui aquilo que se espera. nesses casos, paixão torna-se pesadelo. um sonho ruim que não se cansa de sonhar. por mais que o amante sofra com o não, ele gosta do que sente. ele quer sentir a dor de gostar. uma parada bem masoquista, exatamente porque dói e dá prazer, assim, ao mesmo tempo. triste, também, o amor dos adultos, que ficam juntos, mas que, por serem adultos, machucam-se mutuamente.

não que o sofrimento diga quem pode ou não ser um escritor ou contador de histórias. é a velha máxima do bukowski: "a dor não produz a arte, o escritor sim". acontece que amor, quando feliz, correspondido, cheio de altos sem baixos, carece do humor e do ridículo para se tornar atrativo aos olhos dos outros. quando se recebe aquilo que se espera, o beijo, o som, o toque, ou quando o amor, na tenra idade, é mais um delírio dentro das cabeças infantes que uma realidade tangível, paixão é doce. e ouvir o amor dos outros é, muitas vezes, enjoativo.

ler histórias na versão dos apaixonados - que à essas alturas se acham Os Poetas - é mergulhar na pieguice entediante de um mundo adolescente que não tem nada de real. tudo é lindo, tudo é fofo, tudo é ótimo. mas ótimo para quem vive, não para quem lê. quando se escreve contos apaixonados, o interlocutor imaginado pelo autor é, invariavelmente, o amado. um terceiro que ouse tentar receber a mensagem, se não estiver nas mesmas condições de tempo, modo e local no universo, estará administrando em si mesmo um remédio para um mal que não lhe acomete.

o que para o autor é uma obra de arte, para o leitor, nesse caso, não passa de uma declaração cafona. pode-se usar "você" e falar direto com o amado, pode-se usar "ele", e falar sobre o amado. em qualquer caso, a pieguice é sempre a mesma. quando se ama, todas as frases clichês do universo fazem sentido, e a tendencia do amante é repeti-las. incansavelmente repeti-las. uma a uma. todas elas. uó. 

é uma escrita honesta, não se pode negar. mas para convencer alguém com uma carga de leitura pesada a gostar de uma história de amor, tem de ter mais, muito mais do que o senso comum dos apaixonados, mais do que um apanhado de lembranças do autor despidas de imaginação, mais do que uma narrativa por mais que floreada, seca, porque forçada, mais do que um desvario metido a criatividade. 

o apaixonado pode saber todas as regras da gramática - ou ter um bom editor. isso, no entanto, não o converte automaticamente num artista.

...

tudo isso porque, depois de tanto escrever apaixonadamente durante minha adolescência, num belo dia, talvez em razão de uma crítica cruel que me tenha sido dirigida ou de a própria vida carecer de um momento de silêncio, guardei toda a minha vontade de transcrever pensamentos em linhas num baú e o enterrei. agora meus textos se resumem a responder perguntas e desenvolver redações com temas predeterminados. estudo para contar a história dos outros, não sei mais contar as minhas.

essas guardo na cabeça e conforme o tempo passa, elas vão se perdendo no emaranhado das novas que chegam. já não consigo mais sintetizar amor em palavras. o que sei é reproduzir fatos sob determinada ótica. na maioria das vezes é uma ótica apaixonada, certamente, mas não deixa de ser só uma narrativa de memória.

antes eu escrevia sobre amor e o poder da lei de murphy sobre minha vida, depois arrisquei textos críticos sobre amenidades, hoje leio quintana e drummond e leminski, não digo nada, e me dou por satisfeita. 

p.s.: tô bêba.

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